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Por Melitha Novoa Prado*
Com boa parte de suas operações instaladas em shoppings centers, as franqueadoras brasileiras viram-se em situação alarmante na pandemia. Muitas marcas dependiam exclusivamente deste canal de distribuição e sofreram duras perdas em faturamento. Conforme dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF), entidade que congrega o setor, a queda média do faturamento das franquias foi de 48,2% em abril; 41% em maio e 30,1% em junho.
Com quase 50% a menos de faturamento – deve-se lembrar que esse número reflete uma média do setor e que também leva em conta as operações que não sofreram com a pandemia e as que até lucraram com este momento e, portanto, algumas redes podem ter perdido muito mais que metade de seus ganhos – , não é difícil imaginar-se que as franquias demitiram pessoas, fecharam operações e suspenderam relações com fornecedores. O encadeamento de empresas envolvidas numa crise sempre é grande e, quando um setor é duramente atingido, a situação reflete-se em fornecedores e prestadores de serviços, que perdem clientes.
Assim, de consultorias, escritórios de design e arquitetura, advogados, agências de marketing e comunicação, gráficas, empresas de embalagem e descartáveis, por exemplo, a fornecedores de matéria-prima e indústrias foram prejudicados com o fechamento dos shoppings e das franquias.
Quem acompanha o Franchising desde o seu começo jamais viu uma crise como esta. Passaram-se governos e trocaram-se moedas, o sistema teve seu boom, nos anos de 1990, com desaquecimentos e reaquecimentos em diversos períodos, tendo que se reinventar, por muitas vezes, mas jamais foi impedido de receber seus consumidores.
E quais foram os aprendizados das redes, após todo o caos?
Nunca foi preciso agir tão rápido para sobreviver. Algumas marcas conseguiram. Outras, demoraram. Houve aquelas que pareciam já estar preparadas. E pode haver quem ainda nem se deu conta de onde veio a onda que o atingiu.
Analisando a situação hoje, quase seis meses depois do início da pandemia, que imaginávamos que duraria dois meses, no máximo, já conseguimos tirar algumas conclusões.
Uma delas é que alguns setores souberam aproveitar a crise para ganhar dinheiro. Quem trabalhava com delivery, por exemplo, viu no decorrer da pandemia uma situação bastante propícia: em casa, sem poder sair, só restava à população pedir comida e tentar, assim, reduzir o impacto do isolamento social. Para se ter ideia, uma pesquisa realizada pela Mobills, startup de gestão de finanças pessoais, mostrou que as vendas por delivery cresceram quase 95% entre janeiro e maio deste ano, em comparação aos mesmos meses do ano passado. O pico de crescimento se deu a partir de maio, quando o consumidor percebeu que, realmente, ficaria em casa, e quando sentiu menos medo da situação econômica, segundo os analistas da pesquisa.
Redes que não trabalhavam com delivery ou que viam nesta modalidade apenas um complemento para sua operação passaram a ter nela a principal atividade do negócio. A Amor aos Pedaços, tradicional franqueadora a operar em shoppings, já dispunha de comércio eletrônico e delivery, mas com pequena participação em seu faturamento. Na pandemia, passou a trabalhar fortemente com entregas. Essa não foi a única mudança na marca: a franqueadora também criou kits especiais para pequenas comemorações em casa, apenas com o núcleo familiar. Se, antes, os kits continham quantidade de alimentos suficientes para dez pessoas, agora as ‘festas’ passaram a atender de dois a quatro comensais. Bolos menores, menos doces – mas sem perder o cliente.
E diversas outras marcas fizeram o mesmo. Surgiu o delivery de roupas, cosméticos, aparelhos eletrônicos. Nunca se entregou tanta coisa – e essa tendência pode nunca mais desaparecer das redes franqueadoras.
E quem não tinha loja virtual, como ficou? Certamente, perdeu muito. No franchising, houve certo receio, por parte de algumas franqueadoras, de não ter e-commerce, de forma a não concorrer com as lojas físicas. A dificuldade de repassar as vendas para as unidades franqueadas ou de fazer com que esse canal de distribuição de produtos entendesse que as vendas virtuais são outro canal, independente, adiou a decisão de empresários de implantar o e-commerce. E, na pandemia, muitos deixaram de ganhar. Essa perda fez com que inúmeras marcas repensassem seus canais de distribuição, criando novas políticas para conseguirem relacionar-se melhor com a questão, sem perder novos clientes e oportunidades.
Em relação aos setores, quem perdeu e quem ganhou? Em Construção, vimos números expressivos. Para se ter ideia, a Pinta Mundi Tintas, uma pequena franqueadora de lojas de tintas, com cerca de 30 unidades franqueadas, viu a meta de faturamento de suas lojas ser batida nos meses de maio, junho e julho, tendo em julho um incremento de 122%. O franqueador atribuiu o feito às obras realizadas pelas pessoas que se encontram em home office: com mais tempo em casa, pintar os ambientes tornou-se importante para o bem-estar familiar e as reformas domésticas cresceram na pandemia.
Já as escolas, de modo geral, viraram-se como puderam. A maioria delas investiu pesado na manutenção de seus alunos por meio de cursos online, já que as aulas presenciais foram suspensas. Houve muitas perdas, especialmente para os cursos de idiomas, que sofrem paralelamente ao desemprego, quando o aluno corta a despesa extra.
Estratégias interessantes foram criadas: uma rede de ensino profissionalizante do interior de São Paulo, a MicroPro Desenvolvimento Profissional e Comportamental, com 38 unidades franqueadas, doou 1.000 bolsas para um curso EAD, de forma a atrair mais atenção para sua marca. O sucesso da campanha fez com que, agora, a franqueadora criasse outro curso e o disponibilizasse para jovens e seus familiares, ampliando o número de bolsas para 10 mil.
Desta forma, além de manter alunos ligados à marca, está atraindo quem não a conhece, de forma a ter atenção de potenciais novos alunos. Mas, isso só foi possível a partir de uma plataforma de ensino online já estruturada antes da pandemia, que permitiu que a empresa operasse no sistema de ensino à distância.
As prestadoras de serviços também obtiveram perdas e ganhos. As lavanderias foram bastante atingidas porque, em casa, não houve grande necessidade de usarem-se roupas que o brasileiro costuma lavar neste tipo de estabelecimento – e o movimento caiu. Entrar nas residências e nas empresas dos clientes não foi tarefa fácil, diante da necessidade do isolamento social e do medo da contaminação por coronavírus, então, as redes que prestam serviços domésticos precisaram reinventar-se. A Jan-Pro, por exemplo, adaptou seus serviços de limpeza profissionais para atender empresas que precisam justamente de ambientes mais limpos e livres de infecções. Apostando neste nicho, conseguiu manter suas franquias em atividade. Mais uma vez, a rapidez e a estratégia de se pensar em rede salvou um negócio.
A pandemia fez com que franqueadores e franqueados pudessem sentir, definitivamente, que fazer parte de uma rede pode ser determinante para o sucesso ou o fracasso de um negócio. As marcas mais estruturadas conseguiram agir rapidamente, reverter a situação, estrategicamente, e sobreviver ao caos.
Algumas já vinham se estruturando para atuar no ambiente virtual – fosse ele com aulas EAD ou e-commerce – e puderam ter nesse investimento a salvação do negócio. Outras tiveram caixa para implantar estratégias que garantiram a sobrevivência da marca, enquanto houve aquelas que apostaram na criatividade e no poder de adaptação para não quebrar. Certamente, foi infinitamente mais difícil para quem não faz parte de uma rede e teve que pensar e agir sozinho, sem respaldo de uma equipe, uma marca consolidada.
Por fim, acredito que tanto a grande perda quanto o grande ganho da pandemia, para as franqueadoras, deu-se no relacionamento do franqueador com sua rede franqueada e dos franqueados, entre si.
Falando-se primeiro em perdas, se pensarmos nas marcas que não investiram em formar uma base relacional séria, sólida e extremamente transparente com seus franqueados, não vejo como elas sobreviverão sem sequelas a esta pandemia e à crise. Não é possível que, no caos, números maquiados fiquem escondidos, relacionamento ruim com fornecedores não seja ainda mais prejudicado e desonestidade com o mercado e com o consumidor fique acobertada. Portanto, infelizmente, quem faz (ou fazia) parte de uma marca que pratique alguma inconsistência dificilmente salvou seu negócio ou terá sucesso, daqui para a frente. E o relacionamento entre o franqueador que não oferece boas práticas com sua rede não tem chances, depois de todos os acontecimentos que vivemos.
Já os ganhos das redes que praticam o Franchising Consciente podem ser fortalecedores para a marca. É ilusório achar que a pandemia não deixará sequelas, ainda que mínimas, nos empreendedores. Mas, presenciamos redes unidas, com franqueados ajudando-se, nas mais variadas frentes, e franqueadores apoiando seus parceiros em todos os aspectos. E, certamente, quem faz parte de uma rede busca esse tipo de relacionamento.
Não é possível determinar quando (e se) o varejo voltará ao normal, como era antes. Como não conseguimos adivinhar o futuro, porque ele é aleatório, precisamos pensar bem nas atitudes que tomamos, hoje, para nos prepararmos para os adventos que podem desestabilizar nossos projetos.
*Melitha Novoa Prado é sócia do escritório Novoa Prado Advogados.
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