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Existem diversas formas de expandir uma rede e cada uma delas – franquia, licenciamento, distribuição e representação comercial, por exemplo – têm suas particularidades. Em relação à franquia e ao licenciamento, não se pode confundir as operações e, muito menos, acreditar que o licenciamento é um passo anterior à franquia. Mas, como decidir a forma se a melhor forma de expansão da sua rede é por franquia ou licenciamento? Leia esse texto até o final e entenda.

Há um entendimento errôneo de que a empresa que não está preparada para ser franqueadora pode ser uma licenciadora. É uma inverdade, que precisa de esclarecimento.

A franquia é caracterizada pela transferência de know-how e a própria lei que rege o sistema de franchising no Brasil, 13.966/19, deixa essa questão muito clara. Já o licenciamento é marcado basicamente pela oferta de uma marca e um produto, sem essa transferência de know-how. Assim, não há como confundir as duas formas de expansão.

As empresas devem ser bem orientadas antes de decidirem sob qual bandeira expandirão suas marcas. Para ela, quem tem uma boa marca e produtos, mas não tem um know-how de como atuar no varejo, por exemplo, deve optar pelo licenciamento. Essa empresa procurará parceiros licenciados que já sabem como gerir um negócio, com capacidade para treinar equipes, operar softwares e fazer a própria gestão da empresa. A licenciadora não terá controle sobre carteira de clientes ou dados, que pertencem ao licenciado.

Já as empresas que podem transferir know-how, a partir de treinamentos iniciais e contínuos, oferecem tecnologia e suporte podem se tornar franqueadoras. A lei de franquias não obriga nenhuma marca a ter uma super estrutura de suporte ou treinamento para seus franqueados – apenas os convoca a citar, na Circular de Oferta de Franquia, o que oferecerão a eles.

Assim, uma franqueadora pode crescer conforme sua rede vai crescendo também, com acréscimo de mais suporte, mais treinamento e mais inovação. Os franqueados, ao contrário dos licenciados, são parceiros comerciais que precisam de transferência de know-how, ou seja, de aprender com a marca como operar o negócio para chegar ao sucesso.

O que não se deve é acreditar que o licenciamento substitui a franquia – ou vice-versa. Empresas que não estão preparadas para ser franqueadoras devem passar por uma boa estruturação, entendendo os pormenores do sistema de franchising, para se expandirem por essa estratégia. Usar o licenciamento como ‘um passo anterior’ é um erro, porque os parceiros têm perfil completamente diferente.

 

Como definir a estratégia?

As marcas precisam entender que tanto a franquia quanto o licenciamento apresentam características próprias e exigem das empresas determinados posicionamentos – dando, em troca, benefícios e algumas desvantagens:

Licenciamento – A licenciadora oferece uma marca e produtos renomados para parceiros que já têm experiência com o cliente. Esses licenciados têm total liberdade para definir o layout de suas lojas, bem como a forma de atuar com os clientes, porque não seguem uma padronização ou treinamento, consultoria de campo ou outras particularidades que são características da franquia. Não existe transferência de know-how – uma obrigatoriedade de franqueadoras, não de licenciadoras – e, com desvantagem, a carteira de clientes pertence ao licenciado, com a empresa licenciadora tendo pouco ou nenhum acesso e controle sobre dados e números da empresa parceira. Não há uma lei específica para o Licenciamento.

Franquia – A franqueadora oferece um negócio formatado, com layout e regras que são seguidas por todas as unidades franqueadas, de forma padronizar a operação. O franqueado recebe treinamento inicial e contínuo, para transferência de know-how, aprendendo a operar o negócio com a empresa franqueadora. A tecnologia também é ofertada pela franqueadora, com softwares de gestão que permitem o controle de dados e acesso à carteira de clientes, que pertence à marca – e não à unidade franqueada. A franqueadora segue a lei 13.966/19, que rege o sistema de franquias no Brasil, e cresce em estrutura junto com sua rede.

Para finalizar, vale lembrar que as empresas que operam com negócios que têm todas as características de franquia, mas não se enquadram nesse tipo de negócio, podem sofrer as penalidades da lei, caso o parceiro de negócios as acione na Justiça. É fundamental, portanto, que a relação seja transparente e que os documentos sejam bem elaborados, para que cada parceiro saiba exatamente o que esperar da outra parte, tornando a relação vantajosa para todos.

O  franqueado pode ser impedido de atuar no mesmo ramo de atividade como empresário

Uma excelente boleira não necessariamente é uma empresária de sucesso no acirrado varejo de docerias, certo? Da mesma forma, um dentista talentoso pode ser um fracasso com os negócios, sem ter qualquer noção de gestão empresarial. Por isso mesmo, diversos profissionais – sejam eles de profissões regulamentadas, como médicos e dentistas, ou não – optam por comprar uma franquia. Mas, no término da vigência do contrato de franquia, como fica a questão da não-concorrência, já que o franqueado, mesmo tendo experiência na profissão, recebe transferência de know-how? Leia o texto até o final e entenda esse pormenor.

Ao pertencerem a uma rede, eles adquirem o know-how daquela marca, ou seja, tudo o que o franqueador aprendeu na operação de suas unidades próprias, formatou, transformou em sistema operacional, procedimentos, produtos e serviços e oferece em forma de treinamentos e suporte durante a relação com o franqueado. Essa transferência de know-how precisa ser protegida contratualmente pelas franqueadoras para que os franqueados, quando existe uma rescisão contratual, não concorram deslealmente com a marca, abrindo imediatamente um negócio idêntico àquele que operavam. Em geral, as franqueadoras impõem uma cláusula de não-concorrência de dois anos ao ex-franqueado, que pode atuar no mesmo ramo depois disso.

Já existiram muitos casos de ex-franqueados que recorreram à Justiça para não cumprirem a cláusula de não-concorrência no término de seus contratos, alegando que já trabalhavam no ramo antes de comprar a franquia ou, então, que a atividade profissional exercida – caso de um dentista, por exemplo, seria seu único ganha-pão.

A lei de franquias que vigorou entre 1994 e março de 2020 não deixava clara a situação do franqueado em relação ao know-how e dava margens a interpretações diversas. O artigo inciso XIV do artigo 3º da antiga lei dizia que a Circular de Oferta de Franquia (COF) deveria explicitar o seguinte:

XIV – situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a:

  1. a) know how ou segredo de indústria a que venha a ter acesso em função da franquia; e
  2. b) implantação de atividade concorrente da atividade do franqueador;

Na00 atual, de número 13.966/19, que passou a vigorar em março de 2020, o conceito de know-how foi ampliado e, estando mais bem explicado, trouxe o assunto à tona. Diz a lei, em seu artigo 2º, inciso XV:

XV – situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a:

  1. a) know-how da tecnologia de produto, de processo ou de gestão, informações confidenciais e segredos de indústria, comércio, finanças e negócios a que venha a ter acesso em função da franquia;
  2. b) implantação de atividade concorrente à da franquia;

Pela interpretação da nova lei, o modo de gerir, vender e fazer negócios merece proteção, seja do sigilo ou do conceito do que é know-how para fins de não-concorrência. Isso significa dizer que se um professor formado em língua inglesa abrir uma escola de idiomas, ele pode ser impedido de exercer atividade concorrente de ter uma escola, ser empresário da área. Ele pode trabalhar como professor, mas, não como empresário.

Em caso de profissões técnicas, como de esteticistas, por exemplo, abrir um estabelecimento exige conhecimento que vai além da estética: contratação de pessoal e gestão de pessoas; captação de clientes; gestão administrativo-financeira; marketing; gerenciamento de estoque, entre outros quesitos, são itens do know-how transferido pela franqueadora. Com a nova redação da lei, há o prestígio do conhecimento que é repassado ao franqueado. Muitas vezes, ele tem um valor intangível, porque não é escrito. Mas, ele está lá, todos os dias, nos pequenos detalhes ou nos grandes acontecimentos.

 

Franqueados também ganham muito com a proteção do know-how da marca

Quem acredita que a nova redação da lei protege apenas o franqueador está enganado. A franqueadora não é uma entidade isolada de sua rede franqueada. É preciso pensar na franqueadora e suas franquias como uma marca única. Quando um ex-franqueado concorre deslealmente, vendendo os pratos que aprendeu a preparar graças ao know-how do franqueador ou oferecendo os mesmos serviços da marca à qual pertencia anteriormente, ele está prejudicando todos os franqueados que continuam operando sob aquela bandeira.

Para o franqueado que está comprando uma franquia, saber que um ex-franqueado não conseguirá acessar os mesmos fornecedores, vender produtos semelhantes, muitas vezes até com o mesmo nome e usando fotos iguais, é uma segurança de que continuará tendo a exclusividade que está adquirindo. Quando eu compro uma franquia, estou investindo alto naquela marca. Eu acredito nos produtos e serviços, sei do diferencial deles e não há sentido em concordar que quem sai da rede ser meu concorrente, de forma desleal. Neste sentido, a lei protege a marca – e não apenas um elo dela.

Por Melitha Novoa Prado*

 

Discutir os papéis do franqueador e do franqueado parece ser um tanto quanto óbvio e isso é feito desde que o Franchising se entende como um sistema de negócios formatado.

Mas, deixa a tal obviedade de lado e passa a ser uma análise fundamental quando pensamos que, há apenas dois anos, existia uma situação mercadológica previsível – e até confortável – que foi completamente abalada e indefinidamente mudada pela pandemia. Quem poderia prever o que o varejo passou nesses meses e como cada marca se comportaria, com a finalidade de se sustentar, diante da maior crise já vivida?

Assim, o que falamos há anos sobre atitudes e comportamentos que vão além das obrigações contratuais e mantêm a saúde das redes ficou muito mais evidente – e, agora, deixou de ser um diferencial para serem itens obrigatórios. Por tudo o que presenciei e que, acredito, ainda virá, nesses novos tempos, acredito que o papel do franqueador e do franqueado foram ampliados.

Mas, vamos entender esse raciocínio parte a parte.

Costumamos pensar no franqueador como o detentor da marca, aquele que criou um negócio de sucesso, o testou e percebeu que ele tinha um modelo replicável. Assim, veio a formatação do negócio e a formatação jurídica, as primeiras obrigações do franqueador.

Continua sendo certo que, para oferecer o negócio a um investidor, é preciso que o franqueador o tenha formatado, com as ‘regras do jogo’, ou seja, mostre exatamente como ele será replicado, com metodologias, manuais, treinamentos, fornecedores, padrão arquitetônico e tudo o mais que caracteriza o negócio, além de todas as expectativas que tem em relação ao comportamento do franqueado.

Depois, é necessário que ele tenha a documentação, como a Circular de Oferta de Franquia (COF), Contrato de Franquia e demais documentos relativos ao seu ramo de negócio. Toda a documentação deve seguir a lei 13.966/19, que rege o sistema de franquias no Brasil, além de leis específicas de cada setor, conforme particularidades do negócio. Sem isso, não existe uma franqueadora.

Expandir a rede estrategicamente também é papel do franqueador, afinal, é ele quem prestará suporte a ela e sabe onde novas unidades se adequam. Falando em suporte, cabe ao franqueador prestá-lo adequadamente, porque o franqueado adquiriu a transferência de know-how contínua, durante todo o seu contrato. E, como a rede precisa evoluir para encarar a concorrência e oferecer sempre mais do que o cliente espera, também é papel do franqueador atualizá-la, com a inovação que garantirá sua perenidade.

Quanto ao franqueado, espera-se que ele seja muito mais do que um simples gerente de sua unidade. Ele precisa ser uma figura estratégica, entendendo o comportamento do consumidor e se relacionando com o cliente em nome da marca, para elevá-la ao status de desejável, necessária e querida.

Seguir a formatação e os aconselhamentos do franqueador é condizente com a aquisição do know-how, afinal, se o franqueado comprou uma franquia, não foi para gerir o negócio conforme suas próprias ideias, mas para replicar uma fórmula de sucesso – e isso implica em seguir padrões.

Também é papel do franqueado pagar por esse know-how, por meio das taxas mensais, e participar como membro ativo da rede, de treinamentos e das demais atividades ofertadas pela franqueadora. A partir do momento em que se faz parte de uma franqueadora, deve-se pensar como rede – e não como um negócio isolado.

Até aqui, não estou falando nada de novo, é tudo consenso entre quem vive o Franchising em sua melhor essência e cabe perfeitamente em contratos. O que diferenciará o real sucesso das marcas e de suas unidades franqueadas, entretanto, é o que não está em nenhum contrato e que citei anteriormente: atitudes e comportamentos que vão além das obrigações contratuais.

Quando a pandemia chegou, uma bomba caiu sobre a cabeça de absolutamente todas as franqueadoras e suas unidades franqueadas. Por quanto tempo os shoppings ficariam fechados? Como se dariam as restrições de funcionamento? Quando os clientes voltariam às lojas físicas? De que tamanho seria a crise econômica? O consumidor se acostumaria a comprar por outros canais, como e-commerce, delivery, Whatsapp e Instagram? Seríamos capazes de fazer as entregas? Quanto custaria tudo isso, para cada parte? Como as unidades franqueadas seriam remuneradas? O cliente voltariam a contratar serviços para seus lares, recebendo prestadores com confiança? Como as franqueadoras recolheriam os royalties e taxa de propaganda? Haveria uma política de crédito para os inadimplentes?

Ninguém tinha respostas, mas as dúvidas sobravam, para todos os lados. E a forma como cada franqueadora e cada franqueado lidaram com as mais variadas situações – e ainda lidam – mostrou que os papeis precisam ser revistos e ampliados.

Para começar, muitas redes perceberam que ouvir e dialogar foram fundamentais para o entendimento entre as partes. Aquelas que não tinham o costume de buscar um consenso passaram por maus bocados, com muita insatisfação e fechamento de lojas.

Obviamente, a inadimplência atingiu todas as marcas, devido ao menor faturamento das unidades franqueadas, mas houve aquelas que souberam negociar melhor e as que ofereceram uma política de crédito aos franqueados, tornando a recuperação transparente. Socorrer os franqueados é parte do papel da franqueadora, mas dentro dos limites do possível, sem que ela mesma não se desestabilize financeiramente.

Ficou evidente, em toda essa situação, que o relacionamento entre franqueadora e franqueados precisa ser nutrido diariamente, desde a primeira unidade franqueada. As estratégias de prevenção de conflitos fizeram-se fundamentais em todo o processo, porque quem investiu no relacionamento, previamente, gerou confiança para dialogar com transparência com seus franqueados.

E os franqueados assumiram, indubitavelmente, o papel que lhes cabe: ao lado do franqueador, com a marca ao centro. De forma colaborativa, muitas redes puderam pensar em novas estratégias, canais de venda, produtos, embalagens, formas de entrega e de alcançar o cliente.

Não existe nenhuma cláusula contratual que indique que, numa crise, é papel do franqueado pensar em uma embalagem, em um prato ideal para delivery ou numa campanha inteligente para as redes sociais. Isso é entendido como papel da franqueadora – mas, foi o que se viu em muitos casos: franqueados levando às marcas soluções que puderam ser adotadas por toda a rede. Isso é pensar, efetivamente, em rede.

Como citei, acredito que o papel do franqueador e do franqueado foram ampliados.

Ao franqueador, acho que cabe o papel de ouvir e dialogar mais. De aceitar compartilhar algumas estratégias e aceitar opiniões. Ele ainda é o detentor da marca, quem zela por ela e quem deve estar sempre à frente, inovando. Mas, não está – e nem nunca esteve! – em um pedestal. A marca é quem ocupa essa posição, com franqueador e seus franqueados lado a lado, trabalhando por ela.

Também cabe ao franqueador o papel de criar políticas de crédito, para dar o mesmo tratamento a todos os franqueados e os ajudar sempre, mas dentro de condições reais, que não abalem a estrutura da franqueadora.

Aos franqueados, cabe o papel de pensar como rede. De entender que a franqueadora tem limites de atuação e que todos precisam atuar juntos para levar a marca ao seu objetivo.

Os desafios das franqueadoras são grandes. Mas, sabemos que essa forma de fazer negócios ainda é uma das mais seguras e com menor índice de mortalidade apresentado. Investir no bom relacionamento, sem dúvida, é uma estratégia que amplia os papéis das partes.

 

*Melitha Novoa Prado é advogada especializada em Franchising, com mais de 30 anos de atuação no atendimento das maiores franqueadoras brasileiras.

 

Por Thaís Kurita *

 

As franqueadoras estão vivendo um momento de tensão – e pressão. Lojas fechadas por decreto, faturamento em declínio há mais de um ano, negociações difíceis de aluguéis e reduções de arrecadação de taxas de royalties e fundo de propaganda desestruturam as marcas e tornam as relações entre a franqueadora e a rede franqueada bastante frágeis.

No meio de tudo isso, está o suporte oferecido ao franqueado e a linha tênue que separa o que é obrigação do franqueador e direito do franqueado do que é apoio não obrigatório da marca à rede – mas, sim, solidariedade e empatia em um momento de caos.

A lei 13.966/19, em seu artigo 2º, inciso XIII, alínea a, diz que o franqueador deve indicar ao franqueado, na Circular de Oferta de Franquia, o que é oferecido e em quais condições no que se refere a suporte. E, aqui, existem muitas distorções sobre o que é suporte à rede franqueada.

No entendimento da maioria das marcas, o suporte deve ocorrer de duas formas: nas áreas operacional – na manutenção do padrão da rede – e na área de negócios. Numa rede de alimentação, por exemplo, o suporte operacional atua de maneira a apoiar a unidade franqueada em manter-se em dia com as questões de segurança alimentar e vigilância sanitária. Em vestuário, o foco é a padronização do layout da unidade franqueada, a administração do estoque e o atendimento. E, assim, cada setor tem as suas particularidades. Já o suporte em negócios atua de forma a auxiliar o franqueado em suas estratégias locais de captação e fidelização de clientes, gestão financeira da sua franquia e gestão da sua equipe de colaboradores.

Mas, e quando acontece um problema específico na unidade franqueada, como o rompimento de um cano de água, a doença de um colaborador, pane nas câmeras de segurança ou outro problema rotineiro, do dia a dia de um estabelecimento comercial?

Quando o franqueado adquire uma franquia, ele compra know-how operacional, de negócios e marca. Mas, ele é o gestor daquela unidade (ou, ainda, elege um gerente para essa função). Então, essas questões estão sob sua gerência. A franqueadora pode orientá-lo sobre como lidar com um funcionário irresponsável – mas, a obrigação sobre a contratação e demissão é do franqueado, assim como a manutenção da unidade franqueada dentro dos padrões recomendados, mesmo em situações emergenciais.

O  mesmo ocorre na negociação de alugueis. Apesar de muitas franqueadoras auxiliarem seus franqueados neste quesito, não existe qualquer obrigação legal para o fazerem. Se não há cláusula contratual que determine que os contratos de locação serão negociados pela franqueadora – a menos que se trate de uma sublocação ao franqueado –, o responsável pela negociação é, em regra, o locatário do imóvel, o franqueado.

E se o franqueado não sabe negociar com o shopping? A sugestão é que ele peça orientações à franqueadora, em uma conversa, para entender como o processo funciona e saber o que será possível fazer. Mas, não é possível, nem correto, exigir esta atitude da marca, como se fizesse parte do suporte oferecido.

E quando ninguém faz nada? Pois é, existem situações em que nem o franqueador, nem o franqueado tomam atitudes para melhorar uma situação ruim. Passados 12 meses desde o início do caos, o franqueado limitou-se às queixas, explicando como o franqueador deveria ter agido e que, por conta disso, os problemas somente aumentaram. É como ver um pequeno fogo se iniciando na sua própria sala de estar e pedir para alguém apagar, se mantendo imóvel, apenas assistindo à labareda aumentar. Alguém poderia apagá-la, sem dúvida, mas, pode demorar. Logo, a conclusão mais óbvia seria: apague você mesmo.

Então, vem a justificativa do franqueado: “mas, eu comprei uma franquia, se fosse para fazer sozinho, não teria entrado nesse negócio”. Aqui, entra o alinhamento de expectativas do que cada um faz por si e pelo outro. De nada adianta esperar a atitude de um, se esse um não se sente obrigado a fazê-lo. É frustrante, sem dúvida, mas, onde, como e o quê ficou combinado?

Indo um pouco mais a fundo no assunto das expectativas que a rede franqueada tem em relação às obrigações da franqueadora, no começo da pandemia, em 2020, o que se viu foi o desespero das franqueadoras em apoiar financeiramente a rede, de forma que unidades não fechassem. Então, foram feitas concessões – e muitas bastante impensadas, como suspensão de royalties e até de pagamento de compras, empréstimos e outras atitudes que ajudaram as franquias, mas descapitalizaram a franqueadora. O que muitas marcas não previram é que a situação se estenderia por tanto tempo, ao ponto de não suportarem manter as mesmas condições durante o ano todo.

O que aconteceu, então? Franqueados que foram beneficiados no primeiro período da pandemia acreditaram que tais benesses poderiam ser replicadas agora, no novo ciclo de fechamento. Porém, as franqueadoras não conseguem mais sobreviver sem a arrecadação de royalties e precisam, além da taxa atual, cobrar, ainda que de forma parcelada, o período de carência do ano anterior. E a briga está formada.

O que é preciso avaliar, nesta situação? Bem, a pandemia não atingiu apenas os franqueados. Indústria, varejo, serviços, todos os meios de produção e distribuição foram impactados porque esse é um problema mundial. Para se ter ideia, a indústria de embalagens está praticamente parada por falta de matéria-prima, bem como a eletrônica, sem seus componentes. Essa situação não é exclusiva do franchising. Então, a franqueadora que ajudou, lá atrás, certamente fez tudo o que pode para manter sua estrutura – até não ter mais fôlego.

O franqueado deve exigir de sua franqueadora o suporte necessário para que possa obter transferência de know-how. Porém, deve entender plenamente em que consiste suporte e quais são as suas próprias obrigações como gestor. Os royalties não são um salário dado ao franqueador para ser um prestador de serviços, mas a remuneração pelo uso contínuo da marca, acesso ao sistema, à rede de fornecedores homologados e à venda de produtos, entre outros.

Costumamos dizer que a franqueadora deve ser, sempre, o par mais desenvolvido da relação, aquele que traz inovação, está sempre um passo à frente para refrescar a marca, torná-la competitiva e lucrativa. Para isso, é preciso que a franqueadora seja estruturada, principalmente financeiramente. E, no momento em que todos somos afetados pela crise e pela pandemia, é necessário haver empatia – mas, ela precisa ser uma via de mão dupla. A pandemia aconteceu para todos, e depositar a solução dos problemas para apenas uma das partes, seja esta o franqueador ou o franqueado, pode ser o triste fim de uma rede.

 

*Thaís Kurita é sócia do escritório Novoa Prado Advogados, que está há 35 anos no mercado de Direito Empresarial, com 30 anos de atuação junto às maiores franqueadoras e varejistas brasileiras.

*Por Melitha Novoa Prado

Fusões e aquisições no varejo estão em alta – e não é de hoje. O mercado, aquecido, nas últimas semanas observou a compra do grupo Trendfoods, detentor das marcas China in Box e Gendai, pelo grupo Trigo, dono da Spoleto. Também ocorreu a aquisição da Cão Cidadão pela Petz, num movimento que ampliou o foco de atuação em serviços desta varejista, que agora igualmente atua com adestramento de animais. A tendência é que outras aquisições ocorram em 2022 – e, ainda, que existam fusões de marcas afins.

Quando se pretende fazer uma fusão ou aquisição, os fatores tangíveis do negócio têm análise complexa e envolvem diversos especialistas. É necessário que se faça uma due dilligence – avaliação dos riscos da operação – em todos os departamentos da empresa comprada ou, na fusão, nas duas companhias. As áreas financeira, administrativa, jurídica e contábil são acionadas, para que se mitiguem os riscos do negócio, e uma operação de varredura é realizada. Mas, como citei, essa operação é tangível e, ainda que detalhista, é tecnicamente realizável.

Quando, porém, se quer fazer uma fusão ou aquisição de uma rede de franquias, o procedimento não envolve apenas uma due dilligence, mas, muitos fatores intangíveis, aquilo que está implícito, porque franquia é puramente relacionamento. Aqui, o comprador não adquire somente pontos de venda, equipes e estoques. O franqueado que vem junto com a marca não é um funcionário, mas, sim, um parceiro de negócios. E essa sutileza do relacionamento tem questões que precisam ser analisadas antes da fusão ou aquisição para que, depois do negócio efetivado, não ocorram problemas culturais impossíveis de serem administrados pela nova empresa que se forma.

Mas, por que a franquia é assim tão diferente de outros negócios de varejo?

Para começar, a franquia tem uma lei própria, a 13.966/19, que elimina o vínculo empregatício entre o franqueador e seus franqueados. Quando uma rede varejista adquire outra e tem dois colaboradores ocupando o mesmo cargo, acaba demitindo um deles e fica com o que considera mais adequado ao momento. Mas, na relação de franquia, não se pode demitir o franqueado: ele investiu em sua marca e formou um relacionamento com ela. Portanto, tem um contrato que o protege – e que precisa ser cumprido, mesmo que a nova gestora da marca tenha ressalvas em relação aos caminhos adotados pela gestão antiga.

Não é possível, muito menos saudável, que uma nova gestora não entenda qual o caminho deverá ser seguido para implantação de novos conceitos e modus operandi diferentes dos adotados por sua antecessora. Não se trata apenas de uma resistência ou dificuldade do franqueado nesta adaptação, mas uma falta de conexão com esta nova gestão que poderá causar problemas no relacionamento que, facilmente, chegará no cliente final. É aqui que digo que, nessa nova gestão, o invisível nos salta aos olhos: novas formas de se relacionar com o franqueado ou novos procedimentos operacionais podem, sim, impactar no faturamento da rede – e negativamente!

Assim, é preciso que quem compra uma marca tenha sinergia com diversos aspectos da cultura da empresa adquirida, de maneira a conduzir essa passagem de bastão da melhor forma possível, respeitando os investidores e operadores das unidades franqueadas.

É necessário que se entenda que nenhuma franqueadora é igual a outra. Existem gestões que ainda são top down, ou seja, nas quais o franqueador determina todas as regras do negócio, sem a participação ativa da rede franqueada. Nas gestões participativas, ao contrário, os franqueados são ouvidos e atuam em prol da marca, numa estratégia que congrega ideias, conhecimento e se realiza uma operação conjunta por meio de comitês temáticos e/ou regionais, associação de rede de franquia e conselho de franqueados, por exemplo. E há, por fim, as franqueadoras que mesclam as duas formas, com determinadas áreas sendo de total responsabilidade da franqueadora, sem permissão de interferência dos franqueados, e outras com acesso maior de toda a rede.

Assim, como cada forma de gestão é uma,  quem é comprado pode sentir o efeito de forma adversa, caso o adquirente não tenha a sensibilidade de estudar, entender e transformar a cultura empresarial de uma maneira suave, consciente  e  profissional.

Se um franqueado, por exemplo, tinha um canal de comunicação aberto com a franqueadora e, na nova gestão, se sente isolado, poderá perder o entusiasmo pela marca e, com isso, passar a performar mal. Ao contrário, se dele não era exigida uma participação ativa e, de repente, isso virou uma questão fundamental, pode haver uma resistência pontual, exatamente porque novas normas de conduta lhe foram exigidas repentinamente.

Levando-se em conta que mudanças costumam assustar o ser humano, a prudência de estudar a cultura de uma marca, o comportamento de seus franqueados e o que ela pretende para o futuro é salutar, quando se pretende adquiri-la. Desta forma, o intangível torna-se mais fácil de ser administrado, porque as mudanças que serão implementadas seguirão uma trajetória mais integrada, no qual todos poderão caminhar com mais segurança e confiança.

Após participar de algumas fusões e aquisições em franchising, posso afirmar que as mais bem sucedidas foram aquelas em que as marcas tinham valores e culturas afins. Dificilmente, uma franqueadora com cultura 100% expansionista – aquela que cresce de forma acelerada – tem sinergia com uma franqueadora que cresce de forma orgânica, investindo no seu processo de seleção e praticando uma gestão mais participativa e colaborativa. E os franqueados dessas duas redes são completamente diferentes.

Na prática do Franchising Consciente, a fusão e a aquisição também devem ser pensadas para a sobrevivência saudável das marcas e, acima de tudo, a maturação do relacionamento entre o franqueador e seus franqueados, com o objetivo de estruturar uma rede unida, comprometida, dedicada e feliz.

 

 

*Melitha Novoa Prado é advogada especializada em franchising, com mais de 30 anos de experiência.